quinta-feira, 17 de outubro de 2019

O que eu vi em Coringa, que os críticos de YouTube não viram.







 Coringa não é um filme para quem busca leveza. Arthur Fleck é um homem de aparentemente 50 anos há muito tempo perturbado. Já passou por internação. Toma remédios controlados. Como muita gente. Mas o que faz com que ele vire um assassino, me parece ser muito mais a revolta que ele alimenta do que sua condição clínica. Seria um Deus nos acuda se todos os doentes mentais tivessem um potencial de serem assassinos. Acreditamos que a maioria não oferece perigo. Mas com ele não é assim. Todos os sintomas que o tornarão no maior vilão da cultura pop estão ali. Se as autoridades fossem preventivas e não reativas, o Coringa do filme poderia não existir. Infância traumática. Quadro neurológico complicado. A falta de compreensão das pessoas umas para com as outras. Tudo isso soma numa matemática caótica para o nascimento do palhaço do crime. Porém não pense que Arthur Fleck é vítima. Todo ser humano tem de escolher entre guardar seu sofrimento para si ou tornar ele coletivo, espalhar o sofrimento entre as pessoas através da revolta. Arthur escolhe espalhar o sofrimento. Youtubers querem fazer parecer com teorias furadas que tudo que acontece no filme é um delírio. Não é. É tudo click baite. O filme deixa bem claro o que é delírio e o que é real. Tem menos metalinguagem do que o Ei nerd pretende.

 Todos os momentos do filme são extremamente importantes para a compreensão da trama. Nada ali é gratuito, nada é descartável. A pobreza, a sujeira, a falta de presença do poder público na Gotham de Coringa mostram uma população abandonada pelas autoridades. A cidade é suja. Tudo é muito feio e sombrio. O consultório onde Arthur "se trata" parece um depósito de lixo humano, onde são depositados os seres mais repugnantes e inúteis para a sociedade. Como um doente mental pode melhorar ali, como um profissional de saúde pode não adoecer junto naquele ambiente? Tudo é adoecedor em o Coringa. Acredito que até mesmo alguém que nasceu são pode desenvolver alguma patologia naqueles ambientes. A cidade é uma imensa latrina. A mãe de Arthur, a vizinha que vire interesse romântico, os colegas de trabalho de Arthur, enfim tudo que o cerca é extremamente adoecedor. E ele tenta. Sim ele tenta. Antes de se render as delícias do caos ele tenta se ajustar. Tenta uma carreira. Um romance. Pelo menos na cabeça já doente que ele possui.


 Não sou a favor do desarmamento, pelo contrário. Mas uma arma na mão de uma pessoa mentalmente instável certamente vai dar problema. Na mão de uma pessoa sem treinamento sempre dá. A primeira vez que ele mata, é em legitima defesa. Aqueles "jovens decentes e trabalhadores" mereceram os tiros. Escrotos como muitos por aí. Mas o assassinato daqueles yupies é libertador para Arthur. Ele não se sente mal por ter matado. Ele se sente livre. E aí numa cena catártica nasce o Coringa. Aquela dança no banheiro imundo é a redenção do saco de pancadas Arthur Fleck. Ele gostou de matar. E a partir daí toda vez que ele se sente injustiçado ele se alivia matando. Vira um mecanismo de compensação. Ele mata pq isso lhe faz sentir bem. E a partir daí as coisas acontecem em cascata. Caóticas. Mais perturbadoras. Mas vou ser honesto. O filme do Coringa tinha de ser assim pra ser bom. Estamos de saco cheio de filmes de quadrinhos alegres e coloridos como o Batman dos anos 60. Chega de fórmula Marvel. Pq vou dizer uma coisa meu amigo: ninguém que vive do crime ou combate o crime como vigilante é plenamente normal. Sempre tem algum grau de transtorno ou doença mental envolvido. Que voem as pedras.


 O Coringa é um filme da mesma categoria da trilogia do Nolan. De Logan. É um filme fora da curva, para explodir a cabeça. Joaquín Phoenix está impecável. De Niro mostra um Murray canastrão como a maioria dos apresentadores de talk show. Zazie Bits está ali e faz o seu papel com eficiência. O filme é cinema de verdade. Uma obra de arte, mostrando que filme baseado em quadrinhos não precisa ser sempre uma obra descartável para os acéfalos acostumados com fórmulas. Obrigado DC. Vc mostrou que vale a pena tentar fazer algo diferente. Emprestou dignidade artística a uma obra pop. E conseguiu. Coringa facilmente será citado enquanto houver mundo como um grande filme do século 21. Agora esperemos para ver quantos Oscars Coringa ganhará.

 O Thomas Wayne presente no filme desmistifica a lembrança de bom pai que Bruce Wayne guarda. O que é normal. Um tem a visão do filho amado. Outro tem a visão do rejeitado. Sim, pq eu trabalho com a informação de Arthur Fleck ser filho de Thomas Wayne como verdadeira. Pra mim o laudo de Penny Fleck é falso. Se ela tivesse sido verdadeiramente diagnosticada como  doente mental aos 15 anos quem daria a ela um menino para adoção? Que família de milionários daria um emprego para uma esquizofrênica paranóide? Pra mim foi tudo armado por Thomas Wayne. Ou quem sabe seus pais. Coisa mais comum no mundo um jovem rico iludir a empregada jovem e fazer um filho nela. Acontece desde que o mundo é mundo. A morte dos Waynes, parece para mim justiça poética. Thomas Wayne no filme é um grande escroto.
Sobre ser exagerada a comoção pública gerada em Gotham sobre o Coringa, quero lembrar que na vida real a pouco tempo tivemos protestos populares com máscaras de Guy Falks e Salvador Dali por causa de V de Vingança e La Casa de Papel.


 Se esse filme é único ou terá sequência só o tempo vai dizer. Mas aquela cena do Coringa triunfal descendo as escadas... Nunca será esquecida.

Leia também:
https://canalceronicunha.blogspot.com/2019/06/a-morte-do-batman.html

Um comentário:

  1. Excelente texto. Fiel ao filme e ao mesmo tempo profundo e direto em sua análise. O.Filme do Joaquim bem como sua interpretação associada a crítica social são simplismente o melhor do cinema. Atuação pura. 👏

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