GOOGLE +
PÁGINA INICIAL
-A +A
4/12/2016 às 06h40 (Atualizado em 6/12/2016 às 16h09)
GOOGLE +
PÁGINA INICIAL
ALTO CONTRASTE -A +A
Filipe Siqueira, do R7
O evento é ótimo, mas aponta um futuro pouco agradável para a cultura nerdEduardo Enomoto/R7
Os nerds dominaram o mundo. Quem viveu nos anos 80 provavelmente comemorou ou simplesmente não acreditou em como as coisas mudaram. Se antes o boca-a-boca era o principal responsável pelo sucesso de algo, hoje o caminho do sucesso de um filme, livro ou boneco é cuidadosamente pensado por marqueteiros modernos capazes de criarem ondas de hype gigantescas. Quem gosta de cultura pop e das comunidades ao redor dela não é mais um perdedor, apenas uma pessoa normal.
Mas o que hoje é denominado cultura nerd não é propriamente uma cultura, mas uma operação de marketing enorme, que consome bilhões e busca colher 10 vezes mais que isso. Restou pouca discussão em torno de filmes lançados, roteiros de quadrinhos ou mesmo a arte em si: o grosso desses eventos mamutescos como a bela Comic Con Experience é propaganda pura. E as pessoas pagam para serem submetidas a isso.
Para piorar, corporações gigantescas encontraram formas agressivas de extraírem até o último centavo de quem gosta de cultura pop. Existem até luvas de cozinha da Mulher-Maravilha — passando por cuecas de heróis, chinelos de vilões e coisas assim — e esses produtos só existem porque os heróis abandonaram seus postos mitológicos e se tornaram pontas-de-lança financeiros.
A maior prova disso é o Universo Marvel. Pensado milimetricamente pela Disney para tornar-se uma máquina de fazer dinheiro, espalhando-se em filmes, séries e quadrinhos e às vezes exigindo que você veja outros dois filmes para entender um terceiro. Se você reparar bem, grande parte de quem assiste a esses filmes pouco se importa com a qualidade, mas como ele contribui para a história completa dos eventos Marvel. É uma estratégia que deu muito certo nos quadrinhos, até ser totalmente implodida pelas sucessivas Crises e Reboots do Universo DC.
Não me entenda mal: ver superproduções no cinema é uma experiência incomparável. Lembro de quando assisti a conclusão de O Senhor dos Anéis e a trilogia Batman e foi algo único. Mas o que vemos hoje é que os filmes em si importam menos do que dizer que gosta daquele filme ou consome coisas ao redor dele. Em outras palavras, o rótulo nerd é mais importante do que efetivamente assistir ou ler todas as coisas lançadas por essas empresas. A experiência se resume a consumo.
A mensagem principal do supercontrole corporativista sobre a cultura nerd é que ela deixou de ser uma experiência pessoal e comunitária. Se tornou um empreendimento global onde todos desfrutam dos mesmos aspectos culturais, homogeneamente. É o que o pensador Marshall McLuhan definiu como Aldeia Global, onde todos desfrutam da mesma experiência, falam a mesma língua e compartilham a mesma coisa. E estão prontos para consumir.
O nerd deixou de ser alguém interessado em descobertas para se tornar um consumista compulsivo por qualquer porcaria que lançam sobre o filme do momento — ou mesmo Star Wars, com seus mais de trinta anos. O consumo se tornou a própria essência da cultura e da identidade nerd e a hecatombe dessa transformação é representada perfeitamente no gigantismo da Comic Con Experience (ou qualquer outra Comic Con).
Todo esse universalismo em torno da vitória e consequente transformação da cultura nerd passa muito pela tecnologia, onde os feeds de Facebook (controlados por algoritmos) nos fecham em uma bolha. O resultado é que não existe qualquer discussão sobre qualidade de filmes, quadrinhos e livros ditos nerds.
Quer a prova? Dos 10 filmes de maior bilheteria da história, seis deles podem ser enquadrados como “nerds” — Star Wars: O Despertar da Força, Jurassic World, Os Vingadores, Vingadores: Era de Ultron, Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2 e Homem de Ferro 3. Esse índice era bastante improvável há coisa de 10 anos atrás.
Talvez a única mídia que ainda tente resistir sejam os quadrinhos. Em parte porque, mesmo sendo fonte de inspiração para inúmeros filmes, ainda não é tão popular quanto o cinema, e provavelmente nunca será. Isso permite que ainda exista algum espaço para experimentação, embora a obrigação de sustentar o cinema como fonte criativa esteja em alta.
Para onde essa encarnação renovada da cultura nerd irá? Provavelmente para o jardim de infância. Todos os nerds compartilharão as mesmas experiências, mesmo nos nichos mais rebuscados de todos, como crianças bem educadas. Todos os easter eggs, todas as cenas pós-créditos, tudo isso é pensado exatamente para agradar todos os nichos possíveis. A inteligência e capacidade artística da cultura nerd foi substituída pela necessidade vender mais bonecos e atrair mais cosplayers.
Esse será exatamente seu fim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário