Inglaterra da Era Vitoriana. Século 19. A neblina densa em uma noite fria traz o sibilo do vento e passos podem ser ouvidos ao fundo. O barulho aumenta e o desespero também. Quem vem por aí? Olhos vermelhos, uma flâmula azul na respiração, dois chifres no alto da cabeça e garras afiadas dão a visão de um demônio à procura de sangue.
Muito antes do Super-Homem virar um ícone dos quadrinhos na década de 1930 e referência para tantos personagens, uma lenda urbana já tinha se transformado em herói na cultura popular. Spring-heeled Jack faz parte do folclore inglês e foi visto pela primeira vez em 1837. Não nas revistas, na rua mesmo.
A história se espalhou pelo Reino Unido, e relatos assustadores da entidade passaram da parte central de Londres para a Escócia. SHJ (um apelido mais carinhoso) surgiu em um período aterrorizante, com altos índices de violência na capital Londres, onde a população vivia com medo até de fantasmas perseguidores.
Cultura pop
Assim como Jack, O Estripador, a cultura popular da época agarrou a oportunidade e viu na figura estranha e sobrenatural uma forma de ganhar dinheiro. Os chamados “penny dreadful”, literatura popularesca vendida por merreca no século XIX, tinham como temas detetives, crimes e personagens sobre-humanos. Uma de suas produções mais famosas foi justamente do "bisavô do Batman".
Spring-Heeled Jack ganhou uma série nesses livretos e sua fama cresceu cada vez mais. As histórias mostravam o conflito de SHJ, que combatia os injustiçados usando recursos típicos dos super-heróis que conheceríamos um século depois.
Mas para ganhar a alcunha de super-herói demorou um pouco. Graças a um projeto de bibliotecas inglesas para resgatar textos clássicos, SHJ foi publicado em 1904, em uma versão escrita por Alfred S. Burrage e que se passava no período napoleônico.
Bertram Wraydom era um jovem tenente traído por seu meio meio-irmão, que estava de olho na herança familiar. O protagonista venceu a pena de morte, arrumou um traje e foi em busca de vingança contra o vilão.
Um parente distante do Batman?
“Era um homem usando uma túnica justa, rasgada na frente como se suas costelas estivessem descobertas. Quem teria imaginado um homem dando saltos tão gigantescos, ou com olhos brilhantes de uma cabeça demoníaca na qual uma máscara acolhia uma longa pena”, descreveu Burrage.
SHJ ganhou novos poderes, dava choque com as mãos, saltava 15 metros e ainda marcava os inimigos mortos com a letra “S”. O personagem Zorro, criado em 1919, foi baseado na assustadora figura do herói.
Jess Nevins, autor do livro “The Evolution of the Costume Avenger: The 4,000-Year History of the Superhero”, disseca quatro séculos da cultura dos heróis e analisa a importância da lenda urbana que virou um combatente do crime.
"Spring-heeled Jack é o primeiro personagem publicado da era moderna a incorporar a dupla identidade, a vestimenta, o esconderijo secreto e missão altruísta", resume o pesquisador. "Além disso, o personagem roteirizado por Burrage tinha poderes, fazendo dele o primeiro vingador trajado super-humano. E graças à distribuição na América, leitores e autores foram influenciados".
A lenda urbana no século 21
O legado de SHJ ainda é conhecido mais de 150 anos após sua fatídica "estreia". O game "Assassins Creed Syndicate", lançado pela milionária produtora Ubisoft em 2015, traz uma missão em que você pode deter o temido personagem, a partir de uma informação divulgada por ninguém menos que Charles Dickens.
Ainda no mundo dos games, o RPG "The Elder Scrolls IV: Oblivion" traz uma bota chamada "Boots of Springhell Jak", que te faz pular com extraordinária força.
O primeiro super-herói também ganhou uma música cavernosa da banda Lazarus & The Plane Crash, no álbum "Horseplay", e foi lembrado na série da BBC "Luther", quando um serial killer usava uma máscara e tinha como desejo emular o terror que Spring-heeled Jack causou na cidade.
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